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Você não pode fugir do Babadook

27out

Atenção: Contém SPOILERS do filme.

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Eu não lembro quando comecei a gostar de filmes de terror. Mas sei que foi em algum momento quando, ainda criança, eu percebi que haviam coisas muito mais assustadoras do que fantasmas e gremlins: violência real e cotidiana. Afinal, hoje em dia (e desde sempre, se você parar pra analisar como na real o que mudou não foi a cota de violência gratuita mas sim a frequência com que a mesma é noticiada), uma pessoa pode perder a vida “de graça” só por se recusar a entregar o celular pra um assaltante num beco escuro, por exemplo. E até mesmo por entregar o aparelho de boa vontade, só porque o dito cujo estava com o “dedo nervoso” ou quem sabe porque estava tendo um dia ruim. Quem sabe?

É assustador como algo assim se tornou algo tão cotidiano que monstros e demônios se tornaram um símbolo universal de medo, por serem mais “raros” de serem noticiados e em sua maioria baseados em hoax. Claro, eu tenho um medo considerado “saudável” e esperado do desconhecido, como da possibilidade de ver ou ser afetado por quem já morreu ou de coisas que eu não posso ver, assim como você provavelmente também tem. Mas o medo irracional mesmo, eu tenho de gente. 

Note que eu não falei “coisas que não existem”, falei coisas que não posso ver.

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Pra um filme de terror ter minha atenção, é bem simples: Elementos sobrenaturais, ou coisas que fogem do cotidiano já mencionado. Ou seja, não me chame pra assistir filmes sobre psicopatas, assassinos, sequestros, chacinas e variados. Porque simplesmente se tratam de coisas que já acontecem aos montes na vida real. Porque causam dor real em pessoas reais. Esse tipo de obra me deixa aflita além do necessário, me entedia com facilidade, e no geral eu simplesmente não me sinto bem assistindo. Quando eu me proponho a voltar minha atenção pra uma história emocionante de horror, eu espero que ela me tire da realidade em que vivemos, não que a perpetue. Que me dê uns sustos bestas pra dar umas risadas, aticem a imaginação, enfim. E assim temos top sucessos na estante da Suelen, como PoltergeistInsidious, Supernatural e por aí vai. Essa é a minha visão pessoal.

Mas eu realmente não esperava que ao me sentar na frente da TV pra assistir Mister Babadook, eu estaria tão enganada quanto a real intenção do filme. Eu realmente achei que era só mais um filme de terror envolvendo espíritos malignos, monstros, jumpscares e vice-versa, ou era o que o trailer havia passado, ou seja: bem o que eu gostaria de assistir num sábado a noite com o namorado ou numa reunião de amigos. A expressão de espírito maníaco alá Tim Burton no personagem principal me deu um ligeiro frio na espinha ao ver o trailer, daí pensei “esse deve ser divertido”. Mas foi só até um pouco mais da metade do filme, quando comecei a me sentir mal sem aparente razão, que eu pude entender que na realidade essa obra de Jennifer Kent (que escreveu e dirigiu) seria justamente o tipo de filme que eu mais evito. O horror da realidade. Em um nível totalmente novo do que eu já havia experimentado anteriormente, pois mostrava uma realidade muito familiar a minha por meio de metáforas assustadoras.

Nota: Esse post é apenas uma visão pessoal do simbolismo do filme, não uma resenha definitiva do mesmo.

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Começamos com uma família quebrada por um acontecimento traumático, que foi a morte repentina do marido da personagem Amelia. O que por si só já serviria como um gancho na trama pra justificar todo o restante do tormento sofrido pela enfermeira durante o filme. Exceto que a morte do homem foi dada por um acidente em meio a uma viagem de carro ao hospital, onde Amelia teria o primeiro filho do casal. Esse detalhe mudou completamente toda a natureza já tortuosa do trauma, pois agora Amelia se sentiria responsabilizada pela morte de seu marido. E mais que isso, responsabilizaria também a criança que tinha que ter vindo a esse mundo numa noite chuvosa e propensa a acidentes de trânsito.

Por conta desse fato, todo ano na época do aniversário do filho Samuel, lembranças dolorosas assolam a mente de Amelia mais forte do que o “normal”, e ela sente esse impacto diretamente na sua forma de ver o mundo e de lidar com suas emoções, antes parcialmente adormecidas pela monotonia da rotina, mas agora mais difíceis e maçantes de suportar. Digo “normal”, assim entre aspas, pois foi dado a entender pelo enredo que o estado normal da personagem desde o nascimento do filho é sempre uma experiência de tormento e culpa. E parte desses sentimentos são transferidos para Samuel, o que pode ser percebido claramente na forma como ela o trata e ao mesmo tempo compreensível dada a forma que o criou; como ela esteve todos esses anos sozinha sem apoio emocional algum apenas porque “era o certo a fazer, não por ser o que ela queria”, e portanto não sendo capaz de dar esse dito apoio ao menino. O que resultando na carência que ele demonstra de uma forma quase desesperada pelo amor e atenção de Amelia – tornando assim perceptível que ele nunca experimentou esse amor autêntico, mas sim só o que Amelia conseguia dar apesar dos sentimentos negativos que tentavam bloqueá-la. Era quase como se ela se obrigasse a ser gentil e maternal por pura pressão para fazer o certo, mesmo não querendo fazê-lo.

Essa cena foi uma das representações visuais mais escancaradas da situação emocional de Amelia no filme, sem precisar fazer uso de uma figura fantasiosa como o monstro Babadook.

A cena em que o menino tem um pesadelo e vai dormir com Amelia em sua cama foi pra mim uma das mais simbólicas em torno da relação que ele tem com a mãe. Ele adormece apertando com força o pescoço da mãe, como que expressando um medo de que ela pudesse “escapar-lhe” entre os dedos enquanto estivesse com ele, nos raros momentos em que ele tinha uma desculpa para estar tão perto dela; da mesma forma que isso pode ser visto pelo lado de Amelia como, literalmente, sendo sufocada pela presença da criança – mesmo ele só pedindo o considerado mínimo de atenção e amor. O que nos leva de volta a mistura esmagadora de culpa e rancor que ela guarda de si própria de do filho.

Tudo volta para o fato de que o amor da vida dela ainda estaria vivo se não fosse por ela própria (culpa) e pelo filho dos dois (rancor). Não pode ter sido fácil levantar da cama de manhã todos os dias com essa carga nas costas. E é exatamente nesse ponto que eu quero chegar e que muitas das pessoas que viram o filme não compreenderam, provavelmente por só dar atenção á “figura preta e assustadora do monstro babadook”.

No ponto de que todo o filme é uma síntese visual, representada de maneira genial e críptica, da depressão de Amelia e em como ter sido criado por ela afetou o estado psicológico do pequeno Samuel.

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Em algumas cenas que não foram colocadas por acaso, é perceptível como Amelia está sempre “em cima do muro” quanto a corresponder ao amor do filho. Essa cena específica, onde ele a abraça mais apertado do que ela gostaria, ela o empurra pra longe e logo em seguida põe um semblante tranquilo de novo.

Tirando essa concepção da caixa, fica quase que fácil identificar no filme todas as características de uma pessoa que em sua essência está sofrendo o tempo inteiro, variando apenas os níveis da dor e a forma como ela é representada. Amelia, mesmo antes da primeira manifestação visual do monstro na obra, já se mostrava como sendo uma personagem apática, conformada, com uma expressão cansada e triste, com uma vida monótona e cinza. O que por si só já é bem diferente do que costumamos ver em filmes de terror, onde as coisas só começam a ir ladeira abaixo depois que temos uma manifestação sobrenatural, e antes disso é quase sempre a mesma família feliz de seriado americano. Essa é a primeira pista que o filme dá sobre o que realmente se passa na vida da personagem.

O fato do Babadook ser um meio de influência e não um espírito possessor é outra dica da real intenção da representação visual do monstro no filme. Ou seja, em momento algum Amelia de fato deixa de ser Amelia. Ela não é possuída por um espírito maligno de cartola e sorriso maníaco como muitos pensam ao assistir o filme. Ela se torna sim assustadora, irritável, violenta pra dizer o mínimo, mas ela continua sendo ela mesma. Com as emoções descontroladas e á flor da pele. Como em uma crise. Tornando-se irreconhecível para o filho pequeno.

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Inclusive, a cena em que Samuel enfrenta a mãe (essa aí em cima), já influenciada por completo, chama a atenção em seu diálogo. Diferente dos clássicos “mamãe não está aqui agora”, “mamãe não pode mais te proteger”, dentre outros, a escolha da diretora foi em fazer com que Amelia falasse com autoridade de mãe, porém com requintes cruéis. Samuel diz que só queria ajudá-la a melhorar, e ela debocha repetindo-o em tom cômico, e provocando-o logo em seguida ao externar o que Amelia pensava mas nunca teve coragem de falar. Que era que Samuel é quem devia ter morrido, e não o seu marido.

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O que nos leva a conclusão de que o babadook é, sim, a representação do ápice da depressão adormecida de Amelia, a qual em dado momento depois de 7 anos, a influencia a sucumbir á culpa e rancor acumulados e guardados desde a tragédia que quebrou sua família. O fato de isso ocorrer bem no aniversário da morte de Oskar também tem grande parte nisso, por intensificar a memória da tragédia e trazer a tona sentimentos enterrados durante o resto do ano.

Porque afinal, a linha de raciocínio que serviu como gatilho foi, que direito ela tinha de estar fugindo diariamente desse fato? De estar tentando viver a vida como se ela não tivesse causado tudo isso? Como se isso tudo não fosse culpa dela?

Não quero que você pense que eu estou dizendo que o monstro babadook era na verdade tudo dentro da cabeça perturbada de Amelia. Porque não era. No filme a condição da personagem foi revertida para um monstro real pela diretora, e esse eu considero o aspecto mais fascinante do filme num todo. Porque quase tudo relacionado ao monstro babadook no filme pode ser relacionado aos sintomas da depressão na nossa realidade, mas em um nível menos metafórico. No filme, o monstro podia ser visto pelo pequeno Samuel, o que já prova que ele não estava só na mente de Amelia. Da mesma forma, podemos relacionar esse fato ao de que pessoas ao redor de uma pessoa que sofre da condição podem percebê-la também, mas pelas mudanças de humor, comportamento, etc da pessoa em questão. Se for então uma pessoa que tecnicamente dependa dela (como é o caso de Samuel, que é uma criança e depende de sua mãe, naturalmente), essa pessoa acaba sofrendo também.

Sucumbir ao babadook faz Amelia chegar a pontos radicais como matar o pobre cachorro da família e tentar fazer o mesmo com Samuel, na desculpa de levá-lo para próximo do pai já falecido (quase que como numa super-compensação por, assim ela acredita, ter sido a responsável pela morte dele), o que mais uma vez se relaciona com o quesito culpa. A morte gratuita do pobre cachorro é simplesmente a irritação atingidida pela instabilidade emocional de Amelia que resulta em atos descontrolados. Parecido com quando você soca a parede ou quebra objetos em um acesso nervoso grave.

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As aparições constantes de Oskar serviram puramente pra torturar Amelia e levá-la mais ainda até onde seus limites permitissem, como um gatilho usado pelo monstro para fazê-la perder a razão. Basta observar que a cada vez em que ele aparece, Amelia atinge um novo estágio de descontrole, e cada vez mais se dissocia de si mesma para dar lugar aos impulsos radicais do babadook. Exceto próximo das cenas finais, onde ela achava já ter se livrado do monstro de uma vez por todas (cena acima), mas ele ainda continuava tentando “voltar” para ela.

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Pouco antes, foi Samuel quem ajudou Amelia a começar a acordar de sua crise, amarrando-a no chão do porão num tipo de “intervenção” e deixando claro que apesar de tudo, ele não deixaria o lado dela em momento algum enquanto a mesma estava fora de si – o que implica diretamente em como ter companhia e pessoas que nos amam ajuda a superar uma crise.

O final

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O final foi justamente a sequência que deixou todo mundo meio “quê?”, no que ficou constatado que Amelia tinha “adotado” o babadook como um tipo de bicho de estimação. Mas se você adotou o conceito da depressão apresentado nesse post, já vai ter uma ideia do que realmente essa cena se tratava.

Você não pode se livrar do babadook. Já disse Samuel logo depois a falsa impressão de que o pesadelo tinha acabado, cenas antes.

Isso significa que é necessário aprender a conviver. Se existe uma cura atualmente para distúrbios como depressão, ansiedade, bipolaridade e etc, jamais conheci alguém que tenha provado da mesma. Infelizmente. Mas isso só nos leva a entender que não se pode se curar da depressão; mas pode-se aprender a viver com ela.

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O fato de Amelia ir até o porão, onde contém o babadook agora, para alimentá-lo em troca de contentamento da parte do monstro em não mais possuí-la, pode ser equiparado á função de remédios anti-depressivos que impedem as crises e a apatia característica da doença. A forma com que ele luta para influenciá-la de novo (cena acima, onde ela resiste) mostra o que poderia ser o início de uma crise tentando voltar a tona. A teoria de que alimentar o babadook represente o uso de remédios controlados é também o que explica o porquê de Amelia permanecer tão calma com a presença do monstro em sua casa. Porque ela sabe que não pode se livrar dele, mas enquanto o alimentar, ele não vai tentar destruí-la novamente.

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Ela até mesmo diz ao monstro que “está tudo bem” com um som de “shhhh” característico de quando tentamos acalmar uma pessoa em crise. Preciso dizer que essa sequência específica foi o que me fez desabar enquanto via o filme. Na minha percepção que havia adotado desde o início do filme sobre o que estava realmente acontecendo, essa cena com enquadramento em primeira pessoa (importante!) basicamente tinha Amelia dizendo ao expectador que “Está tudo bem. Tudo bem se você está sofrendo dessa forma. Não é sua culpa. Você tem pessoas que te amam e por isso vai ficar tudo bem. Você vai ficar bem.”

Outras cenas que chamaram minha atenção

Algumas cenas soltas no filme que eu com certeza ia me atrapalhar em tentar encaixá-las de forma coerente no resto do post, são essas a seguir:

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Amelia sente o estresse tão grande que acha que é perfeitamente aceitável “fugir” de todas as responsabilidades por mentiras, inventando que o filho estava em casa doente e assim conseguindo a pena do colega de trabalho que se oferece para cobrir o resto do dia por ela. Ela então vai ao shopping, toma um sorvete, passeia… Tudo com o celular desligado, tentando ao máximo se desconectar de sua vida e de sua situação emocional. Parece familiar?

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Em dado momento do filme quando Amelia está começando a ser influenciada, nessa cena ela mostra como já está sendo tomada porém resistindo. Ela grita com o filho por incomodá-la enquanto ela tenta dormir no meio do dia (faltou ao trabalho mais uma vez), pois o mesmo tinha fome e ela já não o alimentava mais, e logo em seguida “volta a si” e se arrepende, levando o menino agora amedrontado para comer fora. Essa situação é incrivelmente comum pra uma pessoa sofrendo de um mal como a depressão. A falta de controle momentânea seguida pelo remorso.

 

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Quando Amelia é tomada completamente pelo babadook, essa cena surge completamente solta e sem explicações, a princípio simplesmente para causar horror no expectador. Ou assim pensamos, mas eu curiosíssima como sempre decidi pesquisar o que “dente caindo” significava na psicologia. Encontrei isso:

Sonhar com dente caindo pode estar trazendo à superfície relações familiares que precisam de estruturação ou cuidado. Talvez algumas afinidades se estejam perdendo com o tempo e a rotina, mas nunca é tarde para voltar atrás e fazer florescer o que algum dia foi plantado.

Posso estar viajando, mas prefiro associar com isso do que acreditar que a cena foi posta aí apenas pra chocar. Dada a natureza espetacular do enredo do filme, chega a ser ofensivo imaginar que a diretora faria isso, né?

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Depois de um acesso de pânico do filho ao ver o babadook, Amelia o leva ao médico e lá o informa de como ambos não dormem direito há dias (o que de acordo com a ordem cronológica mostrada no filme, também é uma mentira), e pede por sedativos para dar ao filho. Foi a forma mais imediata que ela encontrou de fugir do que estava acontecendo; com remédios para dormir. Mesmo não sendo ela a tomá-los, o que mais tarde se provou ineficaz já que as visões do monstro começaram de vez. Foi quando ela percebeu que não tinha a ver com o filho desde o início.


Eaí? O que acharam da resenha?

Qual a opinião de vocês sobre os simbolismos do filme? Se ainda não assistiu, não tem mais desculpas, porque ele está na Netflix. <3

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Suelen Cosli

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  • Mari do blog outubro 31, 2016

    NOSSA!!! fiquei de boca aberta hahahaha amei! você escreve muito bem faz mais posts de resenhas! ^^
    vc conhece sense8? eu tive um pouco de dificudade em entender algumas coisas, mas se vc entendeu seria um tema legal pra uma proxima resenha. rs
    bjooooos